O Lyon é, por esta altura, uma das únicas duas equipas que ainda não conseguiu uma vitória na Ligue 1. Juntamente com o Clermont (lanterna vermelha), os Les Gones ainda não conheceram o sabor dos três pontos, somando, portanto, três empates e cinco desaires no seu trajeto até então.
Este registo é transversal a apenas três conjuntos nos três principais campeonatos franceses. Além de Lyon e Clermont, também o SAS Epinal ainda não sabe o que é vencer, mas na National 1, prova correspondeste ao terceiro escalão em França.
Longe dos tempos em que conseguiam fazer frente a qualquer equipa em França, o Lyon vive momentos difíceis. Muito difíceis. Bem sabemos que o campeonato ainda está numa fase inicial, mas as primeiras jornadas não mostraram sinais animadores para conseguir dar a uma volta à situação complicada.
A viver uma nova era depois de John Textor ter entrado no clube em 2022/2023, um cenário verificado no Botafogo (primeiro classificado no Brasileirão) e RWD Molenbeek (durante a temporada 2021/2022), o conjunto francês ocupa a zona de despromoção, algo que os seus adeptos não imaginariam no início de 2023/2024.
A culpa será do treinador? Dos jogadores? Falta qualidade no plantel? Não existiu investimento neste mercado de transferências de verão? O que falta para saírem desta fase? Miguel Lopes, antigo jogador do Lyon (em 2013/2014), e Alexandre Teixeira, jornalista luso-francês da Amazon Prime Video, ajudaram-nos a perceber esta questão.
Passado glorioso
Antes de passarmos para o presente, faremos uma breve descrição do passado deste emblema, que conta com sete campeonatos, oito supertaças ou cinco taças de França no seu palmarés. Antiga «casa» de vários jogadores emblemáticos como Juninho Pernambucano, Kim Kallstrom ou Sidney Govou, o Lyon perdeu força com a chegada de investidores milionários ao Paris SG em 2011, obrigando a uma mudança de estratégia para tentar chegar a troféus.
No entanto, essa tarefa tem sido de grau de dificuldade máximo, pois não festejam desde 2012/2013, na altura com Rémi Garde no banco de suplentes. «Ajudou-me bastante. Estava habituado a uma realidade diferente, pois o futebol francês é mais duro e físico. É um excelente treinador e o que me marcou mais foi o apoio e o acreditar que tinha em mim», referiu Miguel Lopes.
Repetem-se as presenças no pódio da Ligue 1, excetuando os últimos dois anos, onde acabaram em oitavo e sétimo, respetivamente. Apesar de terem chegado às meias-finais da Liga dos Campeões em 2019/2020, tal não ajudou a capultar a equipa para outro patamar, sobretudo internamente, onde não ameaçam o poderio do Paris SG.
Antes da existência deste domínio do Paris SG, entre 2001 e 2008, a Ligue 1 só conheceu um vencedor: o Lyon. Puxando a fita atrás e para os mais distraídos, os Les Gones foram heptacampeões e não tinham adversários à altura internamente - além dos campeonatos, conquistaram sete troféus -, marcando uma era no futebol francês durante esses anos.
«Cheguei ao clube em 2013/2014, depois de todos os títulos. Percebi que eram muito organizados e que tinham um grande presidente com muita ambição. A massa associativa era top e criavam um ambiente fantástico no estádio», disse o atual jogador do Estrela da Amadora.
Com nomes como Karim Benzema (20 anos), Hatem Ben Arfa (20 anos), Jérémy Toulalan, Juninho Pernambucano ou Fabio Grosso à disposição de Alain Perrin, o Lyon espalhou chocolate na penúltima temporada com Karim Benzema no campeonato francês. «É muito importante ter esse tipo de jogadores numa equipa. Têm muita qualidade e ajudam os mais novos. Na altura, eles eram a história do clube.»
Presente doloroso
Agora sim, o presente. A época começou com Laurent Blanc no banco de suplentes, mas tal não durou muito, pois o técnico francês não conseguiu nenhum triunfo durante os quatro jogos em que esteve presente. Vários reforços chegaram como Diego Moreira (emprestado pelo Chelsea), Mama Baldé (a definitivo do Troyes) ou Clinton Mata (a definitivo do Club Brugge), todos por valores baixos e na reta final do período de transferências.
Mantiveram-se outros jogadores. Anthony Lopes consolidou ainda mais o terceiro lugar nos jogadores com mais jogos, Alexandre Lacazette e Corentin Tolisso continuaram, enquanto vários jovens estão a ter oportunidade para assumir um papel de destaque, após as saídas de Castello Lukeba (RB Leipzig) e Bradley Barcola (Paris SG), que deixaram 75 milhões de euros nos cofres do clube.
Porém, esse retorno não significou melhorias ao nível do investimento. «A DMCG [n.d.r Direção Nacional de Controlo de Gestão] encontrou irregularidades e impediu o Lyon de contratar jogadores por verbas elevadas, assim como oferecer salários chorudos a quem já vestia a camisola e queria renovar. Por isso é que o clube não contou nenhuma chegada de renome neste mercado de transferências de verão», explicou o jornalista.
«[A restrição] só aconteceu porque estavam previstas vendas de jogadores que não se concretizaram pelos valores estipulados. O exemplo mais interessante prendeu-se com o Karl Toko-Ekambi, que estava estipulado sair por 15 milhões de euros. No último dia de mercado... foi para a Arábia Saudita por 1,5 milhões de euros», revelou.
John Textor «prometeu» mudanças em todos os setores. A entrada rapidamente se fez sentir, pois outro membro da direção acabou por abandonar o barco - Jean-Michel Aulas - que, segundo o L'Equipe, terá tido divergências com o norte-americano, o principal motivo para o seu afastamento, apesar de ter sido nomeado presidente honorário, após 36 anos no cargo.
«Essa reunião aconteceu no final da temporada passada, onde o objetivo era planificar a época 2023/2024. Perto das três da manhã, foi decidido que não tinha condições para voltar a representar o clube. A saída causou alguma polémica devido a um comunicado 'frio' onde anunciaram a decisão. A única homenagem surgiu por parte da claque», disse.
«O princípio do fim»
O abandono do cargo, numa primeira instância, foi compreendido pelos adeptos. «A mudança foi vista com bons olhos. O John Textor chegou com uma boa imagem e tinha bastantes créditos. Eles estavam muito gratos ao trabalho realizado pelo Jean-Michel Aulas, pois pensavam: 'nunca vamos esquecer tudo o que fizeste. És e sempre serás uma lenda'.»
Todavia, o cenário rapidamente mudou de figura. «Assim que o Textor chegou, decidiu cortar com o passado. Após várias decisões questionáveis, a claque perdeu a paciência e estão furiosos com a direção e os jogadores.» Na quarta jornada da Ligue 1, deixaram um «recado» aos jogadores, depois da derrota pesada diante do Paris SG. «Esta mensagem é para vocês, pelo menos para alguns. Para aqueles que, supostamente, são os líderes desta equipa. Vocês estão a vestir a camisola do Olympique Lyonnais. Outros já o fizeram e deixaram uma marca positiva com ela», referiu um porta-voz.
«Na minha opinião, 90% do que o Lyon está a viver prende-se com a mudança de presidente, que não foi a mais correta. Nota-se que alguns jogadores não estão com aquele brilho devido à situação em que o clube está inserido», argumentou Miguel Lopes.
A chegada de Fabio Grosso, que substitiu Laurent Blanc, ainda não trouxe os frutos desejados, pois soma um empate e duas derrotas na Ligue 1. «Tem de trabalhar com a urgência de conseguir resultados positivos. Antes de querer ganhar, tem de pensar em fazer um trabalho psicológico com os seus homens. Acima de tudo, tem uma longa tarefa pela frente, mas acho que, mais tarde ou mais cedo, vão acabar por dar a volta à situação», explicou o jornalista.
Depois de tudo isto, a pergunta que se impõe é a seguinte: o que falta ao Lyon para voltar a entrar no caminho das vitórias? Alexandre Teixeira foi curto e simples. «Mudar o aspeto psicológico.»
«Qualidade não falta. Têm uma equipa tremenda. O Rayan Cherki é um dos jogadores franceses com maior talento puro, mas não está a conseguir lidar com tantas críticas. Quando todos melhorarem, o aspeto individual vai acabar por sobressair.»
Até lá, por enquanto, esta situação é o «cenário perfeito para uma catástrofe» num dos «melhores clubes franceses a nível de gestão». Impensável.